Na última sexta-feira (27) chegou ao fim mais
uma novela das 18h, “Órfãos da Terra”,
uma trama cercada de expectativas por vários motivos: abordagem do drama dos
refugiados, a volta de Duca Rachid e
Thelma Guedes após uma pausa de seis
anos, a estreia de Gustavo Fernandez
como diretor artístico de uma novela, etc., isso pra ser mais específica em
relação ao público.
Em relação à Globo, o folhetim era esperado
pela necessidade que a emissora tinha de reerguer os números de audiência da
faixa em relação à antecessora, “Espelho
da Vida”, finalizada com 17,8
pontos na média, abaixo dos 20 estipulados como meta. Antes de seguir adiante,
pelo amor de Jeová, é só uma constatação estatística, ninguém está falando da
qualidade da trama de Elizabeth Jhin.
Existem textos ótimos falando dos aspectos qualitativos da antecessora, então,
quem quiser, pode buscar um para ler.
Pois bem, o que pudemos constatar desde as
chamadas é que “Órfãos da Terra”
seria uma novela mais forte ou, ao menos, mais dramática se compararmos a média
de drama das antecessoras na faixa, embora algumas tenham conseguido ser
igualmente fortes, tais como “Espelho da
Vida” e “Lado a Lado” (2012).
Também pudera, a questão dos refugiados é quase inadminssível ser pensada sem
ser por uma lógica dramática. Levando em consideração pelos documentos oficiais
(Convenção de Genebra de 1951 e Carta de 1967) que refugiado é toda e qualquer
pessoa que precisa sair do seu país de origem para resguardar a própria vida,
seja por motivos políticos, bélicos e, mais recentemente, ambientais, fica
fácil entender porque pastelão e muita palhaçada não cairiam bem.
Mesmo assim, as autoras souberem elaborar um
núcleo cômico que talvez fosse a única parte da novela 100% coesa do início ao
fim – desconfio que tais núcleos sejam mais entregues pelos roteiristas
auxiliares, mas enfim, nada posso afirmar nesse sentido. Luana Martau, Mohammed
Harfouch, Marcelo Médici e Verônica Debom (gratíssima surpresa nas
novelas) deram conta do recado e, na minha humilde opinião, deixam saudades com
seus tipos. Nicette Bruno, Flavio Migliaccio e Osmar Prado são veteranos que, dentro
de suas possibilidades e do que lhes era exigido, defenderam seus personagens
de maneira brilhante.
Mas, voltando à história central, o primeiro
capítulo foi um primor, talvez um dos cinco melhores da faixa na década. A
reconstrução dos bombardeios na Síria, a saga para se refugiar em outro país, a
travessia para a Grécia via Mediterrâneo e o acampamento dos refugiados chamou
positivamente o público pelo seu apuro estético – ponto para Gustavo Fernandez –
e marcaram a primeira semana da trama. Porém, uma notícia que foi vinculada
chamou atenção: dois personagens centrais morreriam em breve, sendo eles Aziz (Herson Capri) e Soraya (Letícia Sabatella).
Quando esta informação foi liberada, muitos
começaram a pensar: “Vão Matar o Aziz?”.
Sim, meus caros. Como essas autoras ousam construir um tremendo vilão e nos
tira ele assim tão prematuramente? Senti-me a própria Greta Thumberg (quem não
sabe quem é, joga no Google) falando na convenção climática “How you dare!?”. Ok, choque passado,
resolvemos dar uma chance e ver o que aconteceria na trama depois de um
primeiro bem belíssimo. Antes de continuar: tirem as crianças da sala (ou da
frente do smartphone/tablet rsrs) por que talvez saia um palavrão ou outro.
A partir do segundo mês, “Órfãos da Terra” literalmente se tornou
“Órfãos do Aziz”, uma vez que o
grande movimentador da trama não existia mais nela. O que deu a impressão é que
a novela se tornou um spin-off dela mesma, e que as autoras mais se preocuparam
em serem vanguardistas (não seriam, mas enfim) em matar o vilão no começo, do
que necessariamente contar uma história. Dalila
(Alice Wegmann), a filha de Aziz,
tomou o posto de vilã principal. Antes de mais nada, por favor, não quero aqui
criticar a atriz que deu o melhor de si, embora eu ache que ela ainda não
estava madura o suficiente para ser a vilã principal, mas seria uma antagonista
coadjuvante excelente se justamente Aziz ainda estivesse vivo.
O problema é que a partir deste ponto,
parecia que a novela não tinha um planejamento do seu miolo. Talvez, veja,
talvez nem de seu final. As roteiristas, depois de um primeiro mês que se
propunha revolucionário, caíram numa das novelas mais manjadas da década em
termos de enredo com direito a DNA falso, sequestros (mas é claro, é da Duca e
Thelma, essas sequestram tudo!), casamentos forçados, etc. Veja, mais uma vez,
não é problema ser clichê, eu amooooo um clichê, mas faça um clichê completo. “Órfãos da Terra” nasceu querendo ser
diferente e se tornou mais do mesmo, mas de uma maneira tão repetitiva que às
vezes você se perdia nos capítulos do Globoplay.
Sabe quando você sabe que a novela não
atingiu o que se propunha? Quando os protagonistas perdem relevância. Alguém
torcia mesmo pelo Jamil (Renato Góes) e pela Laila (Júlia Dalavia)? Confesso que naquela época do casamento forçado
(outro tremendo clichê mal-usado) eu até senti um pouco de pena deles, mas num
geral a minha vontade era de empurrar os dois do penhasco. Laila, porque ao
mesmo tempo que tinha ideias boas, caía nas mentiras da Dalila. Jamil, porque
toda hora queria bancar o herói, mesmo em situações que nem era da conta dele
(o Almeida foi preso por armação da Dalila, mas Jamil em tese não tinha nada a
ver com a história, porque o investigador estava checando crimes diversos
cometidos pela libanesa).
Chegou a um ponto que eu, ao menos, assistia
a trama mais pelos paralelos. Mesmo parecendo terem sido arranjados de última
hora, as tramas da Dra. Letícia (Paula Burlamaqui), namorando um rapaz mais jovem, e Mamede (Flávio Migliaccio), se descobrindo
portador do Alzheimer, me faziam realmente querer acompanhar e ver no que suas
histórias dariam. A maior prova de que “Jamaila” tinha morrido lá no primeiro
mês foi a ascensão do casal “Vamila” (Valéria e Camila, defendidas por Bia Arantes e Anaju Dorigon), que tomou o protagonismo de casal principal para si
na reta final. O que não foi suficiente para, no meu caso, fazer deixar de
acompanhar a trama faltando duas semanas para acabar: sim meus queridos, eu
assisti os primeiros 140 capítulos todos pelo Globoplay e teve uma hora que eu
simplesmente larguei os bets porque tempo é dinheiro e o meu vale muito. Voltei
depois para assistir alguns do final (especialmente os dois últimos) para poder
falar sobre e ver o encerramento da trama.
O que posso dizer ao final de “Órfãos da Terra” é que as autoras se
perderam no próprio universo que criaram, pois pretendiam abordar o drama dos
refugiados que em 70% das vezes eram apenas depoimentos soltos através do
núcleo da ONG de acolhimento, mataram o vilão que movimentava a trama a troco
de nada e desperdiçaram a Soraya, que poderia ter rendido ótimas cenas tanto
com Aziz quanto com um possível reencontro com Rania (Eliane Giardini),
sua mãe na trama. Ao contrário do que muitos dizem, não considero esta obra uma
novela ruim, acho que em vários aspectos ela acertou, dentre eles o já falado
núcleo de humor, algumas abordagens pontuais como a do Alzheimer e, o principal
legado positivo para além de ter mostrado algo sobre refugiados, foi a direção
primorosa de Gustavo Fernandez, que sempre ficou mais à sombra do trabalho de Ricardo Waddington e enfim pôde mostrar
o que uma direção acertada pode fazer para uma novela mediana.
Em termos de audiência, “Órfãos da Terra” foi bem sucedida, fechando com 21,8 pontos na Grande
São Paulo, elevando 4 pontos da antecessora, mas em termos de história a
palavra que define foi decepção, pois as autoras tinham um universo inédito
para abordarem com personagens riquíssimos que poderiam render momentos épicos
e preferiram trilhar pelo caminho do óbvio, da maneira mais fácil e preguiçosa
possível. De nada adianta vocês ter os melhores ingredientes para um bolo se na
hora você tira o mínimo de manteiga da receita e coloca demais fermento ou
açúcar. Em resumo, não basta criar uma boa sinopse, é necessário planejar
coerentemente aonde se pretende chegar com ela. Novela é uma obra aberta? É,
até certo ponto. Isso não pode servir nunca de justificativa para autores que
não sabem o que fazer com o que começaram, e acabarem descambando para clichês
que não planejaram previamente.
Espero que tenham gostado e até uma próxima.
Texto: Luciane Leitão.